Deixo aqui meus sinceros pedidos de desculpas para as pessoas que comentaram meus primeiros posts. Infelizmente acabei por apagá-los sem querer e tive que postar de novo. Não consegui, no entanto, relacionar os comentários que já haviam sido feitos aos posts originais. Por isso me desculpo e afirmo que mantenho os comentários aqui no blog, embora não os consiga linkar novamente ao texto de origem,
terça-feira, 8 de dezembro de 2015
O GOSTO DO SANGUE
E então eu me levantei naquela manhã trôpega e cálida. Os
raios de sol esgueiravam-se pelas frestas da janela, arrastando-se para dentro
como parasitas, sugando a escuridão como uma sangue-suga.
As paredes riam de mim. Seu riso de escárnio soçobrando em
meus ouvidos como uma multidão de corvos desesperados por carniça. Meus olhos
estavam negros. Minha alma estava negra.
A morte ainda estava ao meu lado. Eu podia sentir seu cheiro
ao meu redor, sentir seu gosto em minha boca. O gosto do sangue.
Noite passada eu experimentei o gosto do sangue. Sangue em
meus lábios, sangue em minhas mãos. Um dívida com a morte, uma dívida com a
vida.
Nenhum homem deveria matar outro homem.
Mas a morte chamou com uma voz tão alta que não pude
recusar. Seus olhos vermelhos e sedentos em mim. Seu hálito frio em meu rosto.
Eu seus olhos quando ele encarou a morte. Havia medo neles.
havia terror.
Ele levou poucos segundos para compreender o que estava
acontecendo, sentir sua vida se esvaindo pelo seu pescoço. Eu não pude evitar,
o sangue era tão vermelho. E no final tinha um gosto acre de ferro.
Será que o terror que se apossava dele era por me ver
sugando seu sangue como um vampiro, ou será que era por saber sua vida findaria
ali?
E seus amigos, onde estavam naquele momento?
é engraçado como todos se apavoram quando a morte reclama
seu prêmio. Como todos fogem quando a selvageria assume o controle e o animal
em nós salta para fora, sedento e frio.
Era meus olhos que ele fitava, mas eram os olhos da morte
que ele via.
Eu experimentei seu sangue antes de entregá-lo à morte.
Tinha um gosto acre de ferro.
Então ele baixou a cabeça e parou de soluçar, entregando-se
nos braços da negra dama.
Ainda sinto o gosto do seu sangue na minha boca.
VIDA PERDIDA.
Caminhava lentamente com sua trouxa de roupas pendurada nas
costas.
Ela não chorou.
Não chorou quando o pai a expulsou.
Não chorou quando aquela mão pesada chocou-se contra seu
rosto fino e pálido.
Não chorou quando o sangue rubro e quente escorreu-lhe por
entre os lábios róseos e frágeis.
Embora o sangue vertesse de seus lábios, foi o coração que
se partiu em pedaços.
Ela não chorou. Era fo
rte.
Seus passos lentos e decididos a guiaram em direção aos
limites da cidade. Ela não sabia para onde ir. Quando estamos sem direção,
qualquer direção nos parece satisfatória. Logo ganhou a rodovia. Os carros
passando em alta velocidade. Sua vida passando diante de seus olhos não menos
veloz.
Seus passos já não eram tão decididos.
Como era bela, não demorou para que carros parassem a
oferecer-lhe carona. Mas ela via nos olhos dos motoristas que uma simples
carona não era tudo o que ofereciam.
Recusou uma após outra.
No entanto, logo apareceram motoristas mais persistentes.
Até que surgiu um que tentou forçá-la.
Expulsa de casa, sendo forçada a entrar em um carro contra a
vontade. Sentiu que sua vida avançava para a ruína.
No entanto, como se os céus ouvissem seus gritos, o ronco de
motores parando chamou a atenção dela e do seu algoz. Motos. Muitas motos.
"Solte a moça"
Seu algoz tentou argumentar, mas os anjos negros se
acumulando ao redor dele eram muitos. Ele a largou e voltou correndo para seu
carro. Saiu cantando os pneus.
"Você está bem?"
Ele olhou para cima viu um par de olhos claros. Dois sóis
inundando sua visão. O rosto alvo, o sorriso largo. Uma mão estendida.
Ele cobriu o corpo dela, onde o vestido rasgado deixara à
mostra, com uma jaqueta de couro. Pesada. Tão pesada quanto à mão de seu pai.
Lembrou-se de seu pai, do ódio em seus olhos.
De repente toda sua condição estampou-se em seus olhos. Tudo
que ela havia suprimido dentro de si, todo o sofrimento. Tudo saltou sobre ela
num mesmo instante.
Chorou.
Braços fortes a ampararam.
"Está tudo bem, agora."
Seus soluços foram a resposta.
Olhou ao redor, seus olhos vermelhos do pranto.
“Onde está sua família?”
“Não tenho família.”
“Então venha conosco.”
Montou na garupa da moto e partiu. Nada mais importava.
A estrada abraçou-a como uma mão abraça um filho perdido que
retorna ao lar.
O vento em seu rosto levando seus pesares.
Avançou com o grupo e sumiu no horizonte.
Desaparecendo lentamente no ocaso.
HUMANIDADE
Fico assim sempre que penso nas pessoas, nos seres que
habitam nosso mundo e atendem por humanidade. Triste quando penso em todos nós.
O que nos tornamos?
Outro dia Márcia Tiburi dizia em uma palestra que somos
todos assassinos. E o somos não porque matamos, mas porque deixamos morrer.
Deixamos morrer os mendigos, as crianças de rua, o índio e todos aqueles que
estão à margem da nossa querida e amada sociedade.
Democracia.
Tenho um amigo que brinca dizendo que democracia vem do
grego Cracia = governo e Demo = demônio, ou seja, democracia é o governo do
demônio. A gente ri, mas agora penso se não está mais perto da verdade do que
imaginamos.
Além disso, a violência já não é mais tão travestida como
denunciou um dia Humberto Gesinger.
E nos matamos.
Abrimos mão de nossa liberdade (se é que isso existe mesmo)
em nome de uma segurança imaginária. Por que o Estado é incapaz de nos garantir
segurança. Mas nós queremos acreditar que sim. Queremos muito acreditar que
sim. Por isso entregamos o controle de nossas vidas a uma pessoa que nunca
olhou em nossos olhos. Não consigo compreender isso.
Choramos copiosamente por pessoas que nunca souberam que da
nossa existência e não nos comovemos com a criança suja de pés no chão que
nos pede um trocado.
É assim que nós somos. Cercamo-nos de desculpas para odiar
os pedintes e os mendigos. Dizemos em voz alta que eles poderiam estar
trabalhando, mas no fundo agradecemos por não terem tomado nossa vaga no
mercado de trabalho.
hipocrisia.
Esperamos que eles morram. Alguns, com mais consciência, ou
medo do divino, distribuem algumas migalhas do que lhes sobra. E esperamos que
todos sejam felizes na nossa tão sonhada democracia. Mentira! o que nos importa
é somente a nossa própria felicidade
Nos escondemos em nossas casas, esperando que os marginais
fiquem lá fora. Odiamos quem nos rouba, mas esperamos todos os dias pela chance
de roubar alguém. E roubamos. Roubamos a esperança com um comentário ou
conselho. Roubamos o sorriso com uma má resposta ou indiferença. Roubamos a
paciência com nossas reclamações ou palavras duras. Roubamos o amor com
traições e descaso.
Sempre roubamos algo de alguém para nossa própria
satisfação.
Somos vermes incuráveis.
O mais triste é que noventa e nove por centos de nós nem
percebe isso. Está inculcado de tal forma em nossas pobres cabeças que sequer
nos damos conta. Puxamos o gatilho e nem sabemos que o fizemos.
Eu me pergunto se isso é inocência ou ignorância.
Desconfio que peguei pesado demais...
Desculpem-me por minhas palavras.
Não se importem com o que eu disse.
É só um desabafo de alguém que vê o que não queria...
E o nó na minha garganta não se desfaz.
AMOR
Sua boca toca-me o pescoço.
Sinto a pressão de seus lábios como se fossem pétalas de
rosa caindo com a brisa da manhã. Seus lábios são doces.
Meus olhos se contorcem enquanto o sangue atravessa a pele
marcando-a eternamente. Sinto o calor do seu corpo sobre o meu, sua pele morena
e quente.
Os caracóis de seus cabelos me enredam.
Estou preso.
Vagarosamente eu busco tuas entranhas.
Elas me envolvem com um abraço quente e úmido.
Estou dentro de você.
De agora em diante tudo é insanidade.
O céu perde a cor e as estrelas explodem como fogos de
artifício.
O uivo de mil lobos se une aos nossos.
Seus dentes.
Sinto seus dentes em minha carne, seus olhos me atravessam
como flechas ardentes. Você chama o meu nome.
Seus braços me agarram e eu forço meu corpo contra o seu,
como se quiséssemos ocupar um único espaço.
A noite grita ao nosso redor.
Nossos corpos suados brilham, iluminando a escuridão.
Sua boca na minha.
Sinto sua língua a devorar a minha.
Vagarosamente eu morro em teus seios.
Logo em seguida renasço em tua boca.
QUANDO A ESTRADA CHAMA.
Ainda me lembro da primeira vez que ouvi o chamado da
estrada. Eu ainda nem tinha uma motocicleta. Estava dentro de um ônibus
comercial e, de repente, olhei através do vidro e vi seus braços abertos como
uma mãe que espera pelo filho. Meu coração acelerou-se e um calafrio tomou meu
corpo. Senti seu hálito em meu rosto. Naquele dia compreendi que eu era um
filho da estrada. Era isso que havia esperado por tantos anos. Algum tempo
depois comprei minha primeira motocicleta. O motor não era dos mais potentes,
mesmo assim, eu decidi atender o chamado da estrada e parti em uma viagem de
uns trezentos quilômetros. Ainda me lembro da adrenalina ao iniciar minha
viagem. O vento, a paisagem, a paz. Era tudo tão belo, as cores eram tão vivas.
Senti seus braços me envolvendo, como uma bela jovem envolvendo num abraço
forte seu primeiro amor. Ouvi sua voz chamando meu nome e me entreguei. Depois
disso jamais consegui me afastar da estrada. Compreendi, então, que a estrada é
para o motociclista como o mar para o marinheiro. Quando ela rouba-lhe o
coração ele jamais poderá viver em paz longe dela. É na estrada que está meu
coração, perdido em alguma curva, ou descansando em algum acostamento,
esperando pela mulher capaz de acompanhá-lo pela estrada até o fim dos dias.
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